Sei que provavelmente nunca irá ler esta carta. Estará decerto
mais ocupado a erradicar a pobreza e a substituí-la pela miséria. Os tempos são
difíceis, eu sei (não soubesse eu outra coisa), mas temo que o Pedro não o
saiba verdadeiramente. O Pedro, embora viva em Massamá, e por essa via se sinta
próximo do povo, não sabe decerto o que é não ter um futuro. Não sabe o que é a
incerteza de fazer face às despesas crescentes do dia-a-dia quando todas as
fontes de rendimento vão secando a pouco e pouco até não haver mais nada. Eu
sempre fiz parte da dita classe média. Filha de funcionários públicos, sempre
vivi com a firme convicção que trabalhando honestamente, estudando e não dando
um passo maior que a perna iria conseguir ter pelo menos um futuro digno. Os
meus pais creio que me educaram bem. Incutiram-me os valores certos: honestidade,
competência, integridade, perseverança. Mas receio que não me souberam preparar
para o mundo em que vivemos, onde o valor do dinheiro se sobrepõe a tudo mais.
E sem saber bem como, eis que dou por mim no limiar de uma vivência condigna.
Fazendo malabarismos para conseguir pagar os meus bens essenciais e fazer face às
contas que todos os meses tenho de honrar, apesar de outros não as honrarem
comigo. Ao longo deste ano perdi o emprego depois de meses de salário em
atraso. Agora vejo-me novamente em situação idêntica por outra entidade
patronal. Dirá o Pedro que são azares desta conjectura, que temos de ter
confiança no futuro. Mas receio bem, Pedro, que o banco não vá nessa conversa. A
ele não interessa que o meu trabalho não seja remunerado, ou que tenha
praticamente de pagar para trabalhar. E eu começo a não saber como dou a volta
a isto. E eu, Pedro, faço parte dessa grande fatia de população que estudou,
lutou e empreendeu. Criou soluções, rompeu com formas de trabalhar do passado,
adaptou-se, reinventou-se. Nunca tive cunhas ou facilitismos, lugares criados de
propósito para mim, ou cartão do partido. E é por isso, Pedro, que você nunca
irá perceber o que fez a este país. Irá ficar desiludido quando a contestação
subir de tom e de repente sentir a Grécia aqui tão perto. Interrogar-se-á sobre
o porquê de tamanha ingratidão. Mas sabe, Pedro, é que quando a preocupação
passa a ser o que colocar na mesa, temo que os ânimos se exaltem. Mas não se
preocupe, meu caro. Você decerto que não irá passar fome. Haverá sempre mais
uma empresa pública pronta a acolhê-lo. Nós, como sempre, pagaremos o seu belo
salário. Ou não. Porque de tempos a tempos muda-se o paradigma. Pense nisso.
Anna Mexilhão Blue
Tens razão. E também é verdade que ele não te vai ler. E mesmo que o fizesse, não perceberia. Ou não quereria perceber.
ResponderEliminarEspero que alguém o faça perceber. Já somos demasiados a dizer "basta" ou será preciso chegarmos ao ponto da Grécia?
ResponderEliminarColocam meninos a quererem ser homens. Colocam-se em bicos de pés à espera de elogios por serem bons alunos quando deveriam preocupar-se em serem homens e tomarem as decisões em prol do país e do seu futuro. E o futuro não se constroi apenas de 4 em 4 anos.