sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Ele é mau

Há tempos, ainda antes da pandemia, estava eu certa vez a preparar o mais novo para o deixar na sala dele quando uma vozinha pequenina se ergueu ao meu lado dizendo para o seu pai “Ele é mau!”, referindo-se ao meu caçula. Eu fiz um compasso de espera e, ao constatar o silêncio do pai que o acompanhava, resolvi intervir e dizer aquilo que diria se ouvisse um filho meu dizer isto de outro colega. Que nem todas as crianças são iguais e às vezes não se portam bem porque não conseguem falar ou explicar o que sentem, mas isso não quer dizer que sejam más. O pai ouviu e nada disse. Eu saí e continuei o meu caminho. O nosso caminho. Que tem dias bons e dias maus. E ultimamente têm sido muitos os dias maus. Não é apenas o cansaço físico das muitas noites em que ele pouco dorme e que acumulam com o trabalho, das birras, da constante agitação e barulho que permanentemente existe aqui em casa, mas também este aperto que vive cá dentro, o pensar que isto se calhar vai sempre assim, a ter de explicar que existem diferentes maneiras de viver e olhar para o mundo e que seremos para sempre uns “estranhos” a essa pseudo-normalidade. Talvez por isso às vezes dou por mim com os olhos baços quando saímos da consulta com a psicóloga que o acompanha. Ali, independentemente de tudo o resto, é um espaço dedicado à nossa “normalidade” e sentir essa empatia enche um pouco este buraquinho que mora aqui dentro.