sexta-feira, 12 de junho de 2015

O estigma do desempregado

A propósito de comentários que tenho vindo a colecionar, chego à conclusão que uma pessoa que se encontre desempregada não pode:
1. andar bem arranjada. Isto inclui pintar o cabelo e arranjar as unhas. Dado que não tem rendimentos, deve por isso viver de acordo com essa condição. Deve deixar crescer as raízes, lavar o cabelo apenas uma vez por semana e usar sempre calças de fato de treino e t-shirts largueironas. Parece que a única razão pela qual as pessoas se vestem decentemente é apenas para irem trabalhar.
2.  ir ao café ou sair de casa. Sair e ir beber um café é um acto que só está reservado a quem trabalha e ganha um salário, pois basta colocar o pé fora de casa para estar sujeita à condenação da comunidade.
3. ter qualquer tipo de vida social. Se está desempregada deve viver enclausurada em casa e carpir a sua condição de desempregada até ao limite.
4.  ser sorridente ou bem disposta. Deve comportar-se de forma depressiva e expor as suas dificuldades a quem com ela se cruze, não deixando margens para dúvidas que vive de forma miserável.
Nos pontos anteriores há algum exagero, é certo. Mas vivendo numa comunidade pequena, e que muitas vezes se equipara a um regresso ao recreio escolar, há olhares e expressões que, apesar de não serem verbalizados, deixam transparecer este tipo de pensamento. E, infelizmente, há outros que chegam mesmo a ver a luz do dia e que validam os pontos anteriores. Não é fácil viver sem saber o que o dia de amanhã trará e requer força de vontade não deixar o pessimismo tomar conta do dia-a-dia. Não demonstrar a angústia sobre a incerteza do futuro não faz de mim melhor pessoa, embora seja mais agradável para quem comigo priva. Mas perante estes pequenos episódios que vou registando, fico a pensar que vivo/vivemos num mundo muito pequenino, onde se categorizam as pessoas apenas com base na sua situação profissional e pelo que exteriorizam. Nada de novo, portanto. Continuamos, como sempre, a viver de aparências.

4 comentários:

  1. Tens muita razão, mas falta-te aí umas considerações.
    Vou exercer o contraditório, sim?

    1- Desempregado não pode andar mal arranjado, porque isso significa que desistiu ou, pior, gosta é de andar a coçar a micose enquanto come cheetos e vê os programas da tarde, o calão, que se nem se dá ao trabalho de tomar um banho como é que quer arranjar emprego?

    2- Desempregado não se pode fechar em casa, isso significa que desistiu, não vai à luta, não se mostra, cedeu à pressão ou, pior, passa o dia a dormir, ou a vegetar da sala para a cozinha.

    3- ver 2. E acrescente-se, deixou de fazer networking, manter vivos os contactos, empreender por aí, mostrar-se activo e sempre em cima, uma pessoa pronta para abraçar um desafio.

    4- Desempregado não pode andar de cara séria ou triste, porque isso significa que desistiu. Ou pior, meteu-se no álcool/droga/comprimidos, se calhar até foi por isso que foi despedido. É um calão sem vontade e iniciativa, um antipático e é por isso que ninguém lhe dá trabalho.

    E pronto, já sei, como se deve comportar o desempregado? Ninguém sabe, ninguém quer saber, as pessoas querem é esquecer-se que isso existe, e fazer o maior número possível de juízos de valor para se distanciarem moralmente, e se enganarem quanto à possibilidade, muito real, de um dia aquela pessoa serem elas.

    Caga. A sério. As pessoas que se metam na sua vida.
    (beijinho)

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    1. Tens muita razão no teu contraditório. É um bocado (muito) por aí. Continuar a fazer uma vida tão próxima quanto possível da normalidade é a melhor forma de não desistir. Acho que cada vez existe uma menor capacidade de empatia por parte das pessoas. Se não for algo que lhe diga respeito directamente, rapidamente se recorre à imagem pré-concebida, vence o preconceito. Eu não ligo, até nem sou de cá (ou talvez por isso mesmo). Abracinho.

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  2. Tão certo este post e respectivo contraditório.

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  3. :) pelo comentário e :( por ser a realidade.

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