sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Às vezes

Dás por ti a pensar que alguém lá em cima tirou o dia para te infernizar. Imagino-o assim a fazer pim-pam-pum e a escolher uma vítima para as suas partidas. Com tantos dias em que os azares podem bater à porta por que raio resolve concentrar tudo num único? Podia brindar-me com uma enxaqueca (daquelas que mal dá para abrir os olhos) hoje, o puto a arder em febre amanhã e uma avaria geral nas telecomunicações noutro dia qualquer. Mas não. Tudo no mesmo dia é que é bom. Ora vamos lá testar os níveis de resistência ao stress aqui da moça. Guess what? Andam nos mínimos. Só espero estar igualmente na calha quando chegar a altura de distribuir surpresas boas, combinado?

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Pobreza

Era uma daquelas pessoas que não passam despercebidas. Longa cabeleira loira, casado comprido com pêlo nas mangas e na gola, unhas impecavelmente pintadas, mala de marca e sapatos de salto alto no mesmo tom, calças de bom corte. A forma entusiasmada como falava, sobre uma nova perspectiva de emprego, despertou-me a atenção. Falava alto, com um timbre seguro e gargalhada fácil no tom certo. Fiquei a ouvir a conversa enquanto bebia o meu café. Nesses minutos percebi que sou, de facto, de origens modestas. Dizia esta senhora de bom ar, que as pessoas compram casas boas, até na Expo, e depois fazem carne picada com chouriço e não pode haver coisa mais pobre que juntar chouriço à carne picada, quando há tantos outros temperos e molhos. De pobre! Fiquei então a saber que, se dúvidas tivesse sobre a minha origem, sou indubitavelmente pobre porque gosto de sentir o sabor do chouriço na carne picada. É de P-O-B-R-E, sublinhava ela bem alto. Não pude deixar de sorrir ao pensar que há uns anos que não como carne picada com chouriço. O Sr. Joaquim do talho bem diz que lamenta mas agora as normas de higiene não permitem misturar o chouriço com a carne, coisas da ASAE, menina, desculpa-se ele. E desta forma eu, que não quero ser rica mas apenas comer carne picada com chouriço, dou por mim a subir na minha condição social. Existe cada vez mais pobreza é certo. Sobretudo a de espirito.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Ir às compras com o miúdo num meio pequeno

É meio caminho andado para testares o teu à vontade com situações que rapidamente fogem ao teu controlo e conheceres uma série de pessoas novas. Desde de perguntar ao senhor da secção de frutaria, de forma indignada, porque não pesa a fruta da mãe (quando a mãe está pacientemente à espera da sua vez), pedir o pão à senhora da padaria quando estamos na ponta oposta do supermercado, sem esquecer do fantástico momento em que diz à senhora do lado para ela não levar bananas que faz mal ao cocó. Se eu podia ir às compras sozinha? Podia. Mas não era a mesma coisa.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Pensamentos ruminantes #1

Casa para alugar. Alguns interessados. Ninguém se chega à frente. Não recebo desde Novembro. Projecto a acabar. Devolver o dinheiro da caução. Pedir, pagar e não bufar o #$%& do certificado energético. Continuar a pagar casa ao banco. Não recebo desde Novembro. Projecto a acabar. IMI à porta. IUC também. Continuar a pagar casa ao banco. Projecto a acabar. Não recebo desde Novembro.

(precisava de uma almofada fofinha, que a minha não me anda a deixar dormir.)

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Guardo os sonhos em caixas de papel

Às vezes volto a estas caixas, finamente escolhidas. Coloridas, pacientemente feitas em tempos de menor turbulência. Tiro-os um a um. Espalho-os em cima da mesa. Confiro se aparecem as primeiras marcas do tempo. Desdobro-lhes os cantos enrugados, sacudo o pó e devolvo-lhes as cores. Alguns, poucos, não voltam às caixas. Tal como nas gavetas, às vezes é preciso deixar espaço vazio para ocupar, num equilíbrio que se quer são. É por isso que os guardo em caixas de papel. Nem saberia onde os colocar senão aqui, onde o tempo vai erodindo os cantos. Para que eu não me esqueça, de vez em quando, de os resgatar à memória.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Sempre do lado errado da barricada

Era uma vez uma empresa que ia de vento em popa. Os lucros aumentavam todos os anos (embora os salários nem por isso), investia-se no cumprimento de rigorosos critérios de qualidade, qualificação de trabalhadores e nos últimos anos até se promoveu a avaliação de desempenho, a homenagem a trabalhadores com mais anos de casa (uma espécie de diuturnidade) e até a atribuição do prémio de empregado do mês. As obras surgiam em catadupa e o céu era o limite no que à ambição dizia respeito. Depois veio a crise e as obras pararam. Uma série de más opções de estratégia e de gestão ditaram o desfecho. Salários em atraso e por fim a insolvência, que ainda hoje se arrasta em tribunal. Cada um pegou no que sabia e podia fazer, nos contactos que dispunha, na vontade de seguir os seus sonhos e quase todos fizeram-se novamente à estrada. A maioria emigrou. Destes, a maior parte seguiu para os Palop, Angola à cabeça. Também eu devo a este país a minha actual fonte de rendimento. Mas a crise, desta vez petrolífera, voltou a mudar as regras do jogo. E assim, eis que novamente recomeça tudo outra vez. Salários em atraso, paragem do investimento, tudo em suspenso à espera de novos dias, que decerto não voltarão nos moldes actuais. E eu, que estou a viver este filme novamente, dou por mim a pensar até que ponto isto não é sina. Quantas mais vezes vamos ter de passar por isto? Durante quanto tempo? Como é que se vive sem a capacidade de fazer planos, porque isso de o futuro estar na nossa mão e depender inteiramente de nós é muito bonito quando sabemos que no limite temos com o que sobreviver. Quantas mais vezes vai ser preciso recomeçar do zero?