Uma vez, há muito tempo atrás numa noite fresca de Primavera,
dei por mim no meio do nada, rodeada de centenas de pirilampos. Foi um
momento que eu achei tão especial e mágico que ainda hoje constitui uma das minhas
mais belas recordações, tendo ocorrido numa altura em que aconteceram várias
mudanças boas na minha vida e o lado emocional dominava por completo as minhas decisões.
Contudo, outras decisões há que se tomam porque o rumo da
vida assim o exige. Não são desejadas, não resultam de planos, sonhos ou
ambições. São muitas vezes uma forma de resolver danos maiores, abreviar o
tempo de duração dos “ses” que se atravessam no caminho. E o problema dos “ses”
é que nunca têm um prazo de validade para se converterem em alguma coisa. Há
alturas que sinto confiança e acredito em saltos de fé, e permito-me andar ao
sabor da corrente, na esperança que as coisas se resolvam por si. Mas esta coisa
de se acreditar na sorte normalmente não me corre bem e fui aprendendo a
colocar a tónica cada vez mais na racionalidade e menos no lado emocional das
decisões. Continuo a caminhar ao longo da linha do comboio, mas agora já não
pago para ver se a luz ao fundo do túnel é mesmo uma saída, ou se é apenas (mais)
um CP Carga em rota de colisão.
Amanhã vou assinar o contrato de promessa de compra e venda
desta casa. E se por um lado sei que me vou livrar de uma série de dores de
cabeça e recuperar grande parte do controlo da minha vida, por outro não deixo
de sentir que de alguma forma é uma volta atrás naquilo que ambicionei e
projectei durante algum tempo. Deixa um amargo de boca por muito que eu
racionalmente saiba que esta é a melhor solução, uma solução que me permite
readquirir novamente a capacidade de voltar a projectar outro tipo de sonhos. Racionalmente
sei que estou a fazer um bom negócio, emocionalmente tenho dúvidas. Há uns anos
atrás eu fazia o tal salto de fé. Hoje já não.
Curiosamente, nestes últimos
dias tenho tido o pátio cheio de pirilampos, coisa que em 5 anos que aqui estou
nunca tinha acontecido.